Dicas de escrita #4: lições de Save the Cat! de Blake Snyder

Recentemente, li o livro Save The Cat! The Last Book on Screenwriting That you’ll Ever Need!, do roteirista Blake Snyder (RIP), e gostaria de compartilhar o que aprendi.

    O livro faz parte de uma trilogia (continua em mais outra trilogia, escrita pelos seus alunos) e, apesar de destinado a roteiristas de cinema, serve para qualquer tipo de storyteller.


    A primeira dica que Snyder dá no livro é: pergunte-se se a estória é primitiva. Em outras palavras, um homem das cavernas conseguiria entendê-la? Caso a resposta seja não, você deveria repensar sua escrita. Veja bem, na superfície, o filme pode ser sobre qualquer coisa, mas, no fundo, ele deverá ser sobre um tema comum a toda a humanidade. Como exemplo, ele cita sobrevivência, vingança, amor e opressão.

    Os personagens devem falar de forma diferente. E mais importante, eles não podem ser você falando por meio deles. Para testar, cubra os nomes dos personagens e leia suas falas. Você consegue identificá-los só pelos diálogos? Também adiciono uma sugestão minha: analise como os personagens reagem a um mesmo problema. Faça com que o modo que eles encaram tal problema revele quem eles são.

Pare! Senão Mamãe Atira, filme de 1992 escrito por Snyder e dirigido por Roger Spottiswoode


    O termo “Save the cat!” se refere àquela cena do início do filme feita especificamente para gerar empatia com os protagonistas. Snyder recomenda fortemente que seja usada, e lamenta que muitos filmes não contem mais com ela. A inspiração veio do filme Alien (1979, Dir. Ridley Scott), quando Ripley salvo seu gato, Jonesy. O Hellboy de Guillermo del Toro (2004) também faz literalmente isso.


    Mas a cena save the cat! não necessariamente precisa ser sobre… salvar gatos! Em Alladin, por exemplo, a cena inicial mostra o protagonista roubando comida e sendo perseguido pela cidade. Serve tanto para apresentar o personagem quanto para mostrar o cenário. Ao final, Alladin dá a comida para os pobres. Snyder também cita a conversa de Vincent e Jules no início de Pulp Fiction (1994, Dir: Quentin Tarantino). É só um papo idiota sobre o McDonald’s, mas o objetivo da cena é claro: nos colocar ao lado dos protagonistas, mesmo eles sendo mal-caráter; nós naturalmente não deveríamos gostar deles, mas gostamos. Quando o protagonista é anti-herói, a dica que Snyder dá é deixar o vilão pior ainda.

    Uma coisa que eu gostaria de ressaltar, que Snyder não fala no livro, é o contrário de Save the Cat: “Kill the Dog!”. Claramente derivada de sua contraparte, cenas kill the dog! são aquelas feitas para que a audiência odeie o personagem, que geralmente é o vilão (mas pode ser o protagonista, caso você queria que ele seja odiado). Um bom exemplo disso é No Country for Old Men (2007, Dir: Irmãos Cohen). Anton, o vilão, mata vários animais ao longo do filme sem motivo aparente.


Cheque em Branco - Filme 1994 - AdoroCinema

Cartaz de “Cheque em Branco”, filme de 1994 escrito por Snyder e dirigido por Rupert Wainwright

    Snyder também dá várias dicas do que não fazer em um filme. A primeira delas é o double mumbo jumbo (algo como “balela dupla”), que é quando há dois sistemas de magia na estória. Ou seja, é quando o enredo tenta destacar tantas coisas que acaba não dando ênfase em nada. Eu concordo com essa dica. Um sistema de magia a la Brandon Sanderson demanda muitas páginas para ser explicado. Colocar mais de um arruinaria a estória.

    Ele também diz para não ter muito backstory, o que é especialmente importante para a área dele -- o roteiro. Um filme de duas horas, com um roteiro de 120 páginas, não pode ter muito backstory. Cansa. A cena save the cat! deve vir o mais rápido possível, de preferência nas primeiras dez páginas (primeiros dez minutos) ou a plateia começa a bocejar. Em contos, a mesma coisa. Em romances, é discutível. Pessoalmente, gosto de livros com um prólogo forte, uma cena marcante no começo, e, depois disso, o backstory. Se começar com muito backstory eu paro de ler e vou assistir animê.

    A próxima dica chama-se black vet. Tem esse nome por causa de um quadro que Snyder estava escrevendo para o Saturday Night Live, sobre, dã, um veterinário negro, mas que nunca foi ao ar. Para o autor, o problema aqui é que esse veterinário também era veterano de guerra (sacou? vet-vet!). Ele disse ter achado isso engraçado no começo, mas depois desistiu. A mesma coisa com Lefty, outro personagem dele, que era comunista e boxeador canhoto. Essa é a única dica que eu discordo. Eu simplesmente AMEI esses personagens que não saíram do papel, e faço mais ou menos isso com os meus. Por exemplo, a protagonista do meu livro, A Vira-lata, ao mesmo tempo sofre do complexo de inferioridade do brasileiro e age como um cachorro. Acho interessantíssimo filmes como Dente Canino (2009, Dir: Yorghos Lanthimos), que têm um sentido tanto literal quanto metafórico.

    Colocar mídia em torno dos personagens do filme torna o problema menos dramático, por isso, keep the press out! Nas primeiras versões de E.T. (1982, Dir: Steven Spielberg), a mídia aparecia bem no começo, mas o diretor notou que, colocando o alienígena escondido, a estória ficava mais pessoal.

    A dica que talvez seja a segunda mais famosa desse livro é a Pope in the pool. Também oriunda de um filme que não saiu do papel, ela diz respeito a uma cena de exposição que não é chata. Snyder havia escrito uma cena do papa rezando dentro da piscina do Vaticano. Mais uma vez, serve para desenvolver tanto o personagem quanto o cenário (quem aí sabia que o Vaticano tem uma piscina atire a primeira pedra!). Uma cena que captura bem esse espírito está em Inception (2010, Dir: Christopher Nolan). É quando Dom Cobb (Leonardo Dicaprio) explica para Ariadne (Ellen Page) como o seu projeto de invadir sonhos funciona. Parece uma daquelas cenas chatas, em que um personagem explica uma coisa para o outro (As you know, Bob...), até que… descobrimos estar dentro de um sonho!



O seriado The Young Pope fez uma homenagem ao Pope in the pool de Blake Snyder

    O que diferencia Save the Cat! de outros manuais de escrita é a sua concisão. Screenplay, de Syd Field, outro gigante da área, é grande demais, simplesmente por que tem exemplos em demasiado. Save the cat! é quase uma apostila. Por esse motivo é que eu recomendo, mesmo que você seja um ás da escrita e ache que sabe tudo.

Apesar de curto, o livro também tem outros temas que não couberam aqui. Quem aí já leu deve estar se perguntando do famoso beat sheet, que é a escaleta de roteiro. Bom, ela merece um post exclusivo.


Continue lendo. Continue escrevendo.


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