Crônica #2: Pot-pourri

Às vezes, as esposas estão muito ocupadas e devem mandar os maridos fazer algumas tarefas no lugar delas. Mas você sabe o que passa na cabeça de um homem nesse momento?


POT-POURRI


— Amor, vai fazer as compras! — A minha mulher disse para mim.

Ela me deu uma lista, que eu até hoje me arrependo de não ter lido antes de sair de casa.

— E por que você não vai? — perguntei.

Ela olhou para o bebê no peito dela e disse: 

— Por quê? Você quer amamentar? Tem leite aí por acaso?

Como eu sou burro...

— Desculpe. Estou indo.

Antes de eu sair de casa, ela gritou:

— Ah, e não se esqueça do pot-pourri! 

Parei e fiz uma careta. Que merda eu tinha acabado de ouvir? Fiquei tentando imaginar o que ela tinha dito. Será que ela errou? Será que tá tirando onda da minha cara? Tem cera no meu ouvido? Talvez eu tenha de ir ao médico.

— Eu esqueci de escrever na lista — disse ela. — Ponha aí, para não esquecer.

— Tá... Mas como é mesmo?

— O pot-pourri, amor! Lembra?

Engoli em seco, minha mão trêmula quase não segurava a caneta e a tinta no papel quase apagou, de tanto suor. Não sei como, mas consegui escrever:

Popurrí.

Minha cabeça quase explodiu. O suor frio descia pelas minhas costas e me dava calafrios. Meu coração estava batendo tão rápido que eu achei que fosse ter um enfarto. 

Me virei para a minha mulher e dei o sorriso mais falso de toda a minha vida.

— Estou indo, querida. Vai ser um prazer.

— Obrigado, amor. Você é um anjo!

— Claro…

Fui até o carro, me sentei no banco, dei três tapas na cara e dei um grito de guerra, para tomar coragem.

Chorando, me dirigi ao hipermercado.

Quando cheguei, olhei para o primeiro item na lista: vassoura italiana. Agora, o que seria isto? Quando penso em Itália, o que me vem à mente é macarrão, máfia, encanadores e jogadores de futebol que não sabem bater pênalti. Não sabia que eles também eram mestres na arte de varrer chão. 

Qual seria, então, a diferença de uma vassoura italiana para uma mexicana, uma espanhola ou uma russa? Suíço-italiana vale ou não? E por que não uma brasileira?

Com perguntas como essas na cabeça, cheguei na fileira das vassouras. Qual seria a italiana? Sei lá. Pareciam todas iguais. Umas são maiores, outras menores. Há umas que têm os cabelos pequenos e duros, outras, longos e moles.

Mas qual é a italiana?!

Coloquei no carrinho uma que parecia macarrão. Achei que minha esposa não fosse perceber. Ainda mais por causa do nome da marca: spaghetti. Bingo!

Porém, espero de dedos cruzados que ela não olhe onde o produto foi fabricado. Como 99% dos produtos consumidos ao redor do mundo, a vassoura italiana é MADE IN CHINA. Serve vassoura chinesa? Não é possível que, em toda a história daquela civilização milenar, eles não tenham aprendido a varrer.

Movendo para o próximo item da lista: chinelo japonês.

Tá, seria desnecessário fazer as mesmas perguntas que eu havia feito sobre a vassoura italiana (as fiz mesmo assim, na minha cabeça), mas…

O que diabos é um chinelo japonês?!

Cheguei na fileira de sandálias e tentei desvendar esse mistério. Fiz de tudo: procurei por ideogramas japoneses; cheirei para sentir algum odor nipônico; coloquei as sandálias e saí correndo feito um ninja… Nada. Não é possível definir, por nenhum caminho lógico, qual é o chinelo japonês. Só Freud explica. Mas ele era austríaco. Então não vale.

Então fiz a mesma coisa que havia feito com a vassoura italiana: joguei um chinelo qualquer no carrinho, torcendo para que a minha mulher não veja que é MADE IN TAIWAN.

Próximo item: sousplat.

Aí lascou!

Não sei o que é pior, o sousplat ou o popurrí. Mas, dessa vez, decidi pedir ajuda aos universitários. 

— Olá, amiga — eu disse, cutucando uma atendente. — Com licença, onde eu posso achar isso, sousplat?

A moça cheia de espinhas na cara se vira para mim com os olhos esbugalhados.

— Achar o quê?! — Ela parece ter visto um fantasma.

— Um sousplat. — Mostro a lista de compras para ela.

— Ah! — ela solta uma risada. — O senhor quer um suplá!

Nossa, então é assim que se pronuncia?!

— Me deixe adivinhar — continua ela. — Sua esposa está muito ocupada e mandou você aqui? 

— Como você sabe?

— Um homem andando de um lado para o outro há mais de três horas e não tem quase nada no carrinho? Meio óbvio, não?

Soltei uma risadinha involuntária, quase um soluço.

— Isso é comum?

— Se é comum? Por que o senhor acha que disponibilizamos uma creche? Para os homens não se perderem, é claro! Reza a lenda que uma mulher perdeu o marido nesses corredores e só o encontrou semanas depois, quando o cadáver já estava fedendo. Dizem que os fantasmas deles perambulam por aí depois que as luzes se apagam.

— Espere um instante… Eu não posso estar ouvindo isso direito. Você disse “creche”? É uma piada, não é? Como que iriam fazer uma creche para adultos? Só em filme!

— Não, senhor. Não é piada.

Ela apontou para trás de mim e, quando eu me virei, me deparei com um letreiro gigante que dizia: “Creche dos Maridos”. Lá dentro, vários homens jogavam sinuca, pôquer, videogames, assistiam futebol, tomavam cerveja e liam revistas… hum... “educativas” por assim dizer. Enfim, coisa de homem.

—  Nossa… —  Comecei a babar. — Quem diria… Bem debaixo do meu nariz! Será que eu poderia...

—  Não, não pode! —  Ela falou tão alto que me assustou. —  A Creche é reservada para os homens que vieram com as esposas. Se veio sozinho, então não pode ir; sua mulher está esperando em casa!

—  Mas é tão… lindo…

— Pare de olhar agora! — Ela me puxa para dentro de uma fileira e eu não consigo mais ver a creche. — Escute, vá para a fileira dos utensílios domésticos, pegue o sousplat e vá embora, antes que seja tarde! A visão da Creche é sedutora demais para os homens casados. Merda, eu já falei para a gerente que o interior da Creche não deveria ser visível!

—  Tá bom, mas… Que diabos é um sousplat?!

Ela suspira.

— Sabe aquelas toalhinhas que você coloca na mesa, embaixo dos pratos? Então, é isso!

— Sério? E por que esse nome? Não poderia ser “toalhinhas de mesa”?

— Não importa! Vá agora!

— Tá bom, tá bom!

Saí correndo para a fileira de utensílios domésticos, de cabeça baixa para não olhar para aquela creche maravilhosa, quase me esbarrando nas velhinhas. Quando cheguei lá, a mesma coisa: os paninhos de mesa eram todos iguais para mim, só a marca que era diferente.

—  Ah, que se ferre! —  Joguei uma caixa qualquer no carrinho e corri para o caixa.

Ofegante e com o suor pingando, coloquei os produtos na esteira e fui pagar.

— Foi difícil achar? —  perguntou a atendente.

— Está tão óbvio assim? —  Abri um sorriso e enxuguei o suor da testa. — Bom, só o sousplat que foi difícil. O resto, nem tanto.

— Mas isso não é um sousplat —  disse ela. —  Isso aqui é um jogo americano.

Meu coração disparou.

— E qual… — Engoli em seco. — Qual a diferença?

— O tamanho. Basicamente. —  Ela deu de ombros. —  Vai querer ir buscar o sousplat?

Olhei para a fila. Estava cheia de senhoras me encarando; os carrinhos cheios.

—  Não, vou levar isso daí mesmo — eu disse. — Acho que minha mulher não vai perceber.

A atendente tentou segurar o riso, mas não conseguiu.

— O que foi? —  perguntei. —  O que é tão engraçado?

— Nada… Não foi nada... CPF na nota?

—  Não! —  Me virei e saí empurrando o carrinho.

No estacionamento, colocando as compras no carro, olhando para as caixas, comecei a pensar: não existe nenhum produto que seja realmente italiano, japonês, americano ou brasileiro (esse último, parece que todo mundo evita), etc. Todas as coisas vêm ou da República da China (Taiwan) ou da República Popular da China (a China mesmo). Enfim, tudo é negócio chinês. Não se deixem enganar.

Quando eu me sento no carro e coloco a chave, me lembro de uma coisa. A coisa mais importante que eu tinha vindo pegar hoje…

— Que merda! Esqueci da porcaria do popurrí!

Desliguei o carro e abaixei a cabeça, chorando no volante. Mas logo engoli o choro e liguei o veículo novamente.

—  Quer saber? Eu vou embora. E só volto se for para ficar na Creche!





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