Non Fiction Review #3: Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos, de Nassim Taleb

A review de não ficção de hoje é do livro Anfifrágil: coisas que se beneficiam com o caos, de Nassim Nicholas Taleb. O livro é grande, por isso a demora entre esse review e o anterior (na verdade, quase um ano kkkk). Apesar do tamanho intimidador, o livro é de leitura fácil. A linguagem de Taleb é irreverente, chegando a lembrar até mesmo Olavo de Carvalho. Ele é crítico por natureza, e não poupa palavras. Tanto é que o livro tem várias avaliações negativas, e a maioria delas diz respeito à linguagem. As pessoas que esperam algo mais "culto" ficam frustradas. Eu, particularmente, gostei muito. Odeio linguagem técnica, e Antifrágil foi, ao mesmo tempo, uma diversão e um grande aprendizado.

Nassim Taleb é uma espécie de guru do mundo dos investimentos (e em outras áreas também). Quando estagiei na CVM, ouvia muito falar dele. Ele começou como analista de investimentos, trabalhando em Wall Street por anos. Lá, ele pôde perceber como os trabalhadores com educação formal eram ruins, e como muitos analistas de investimento não tinham educação formal. Ele também viu como aqueles que controlam a economia (que têm educação formal) são perigosos porque terceirizam os riscos para outros. Eles são, como diz, fragilistas. 

O que é essa tal de "antifragilidade"

Em resumo, algo antifrágil é algo que melhora sempre que "apanha". É como massa de bolo: quanto mais você bate, maior fica. Ou seja, é o contrário de frágil, e é diferente de ser  resiliente. Resiliente é aquilo que, ao apanhar, mantêm-se na mesma situação. Por isso o autor teve que inventar a palavra "antifrágil".

Para ilustrar: pacotes enviados pelo correio geralmente são frágeis, como dito em suas embalagens. Uma pacote antifrágil, por sua vez, viria com os escritos: "por favor, manuseie sem nenhum cuidado" ou "pode bater".

 

Quem descobriu a antifragiliade foi Nietzsche (e não Schumpeter), quando falou que Dionísio era "criativamente destruidor". O alemão também chegou a dizer que "o que não me mata me deixa mais forte."

O tempo é o maior avaliador da antifragilidade. Coisas antigas (como tradições, religiões etc) têm mais chance de permanecerem existindo do que coisas novas. Algo que surgiu há dez anos tem muito mais chance de desaparecer do que algo que continua existindo há milhares (isso não é tão aplicável aos seres humanos, mas à tecnologia e outras coisas não-perecíveis). Romanos obrigavam engenheiros a passarem um tempo debaixo da ponte que construíram. O velho é superior ao novo porque tem alguma utilidade (mesmo que oculta às pessoas). O frágil, mais dia, menos dia, acabará se quebrando.

Dessa forma, os autores conservadores, como Edmund Burke ou Michael Oakshot, são defensores da antifragilidade. Burke criticou a Revolução Francesa, pois foi uma ruptura drástica com todo o conhecimento passado. O que vinha sendo construído há séculos foi substituído por algo que, como é possível ver no noticiário todos os dias, não é muito melhor (e está sempre à beira da ruína).

Arriscar a própria pele. Assumir riscos.

Assumir riscos está ligado à antifragilidade. Antigamente, as pessoas só chegavam a atingir certo status se assumissem riscos. Hoje, é o contrário. Taleb critica burocratas e funcionários públicos que terceirizam os riscos para os outros. "Os melhores cavalos perdem quando competem com os mais lentos e vencem quando competem contra os mais fortes" é uma citação que ele traz. Terceirizar riscos nos torna molengas.

É natural ter medo de correr riscos, mas as pessoas, inconscientemente, não têm esse mesmo medo em todas as áreas da vida. Um bom exemplo é a vacinação. Se vacinar é basicamente se expor a pequenos riscos para nos tornarmos melhores. Recorremos à inoculação ao menos todos os anos (e a Covid mostrou como as pessoas levam vacinação à sério), mas não levamos a mesma lógica para os âmbitos político e econômico, por exemplo.

O medo da aleatoriedade e a cama de Procusto

A alegoria da cama de Procusto (que é o título de outro livro do mesmo autor, diga-se de passagem), aparece muito no livro. Trata-se da história mitológica grega do estalajadeiro que fazia todas as pessoas caberem perfeitamente nas camas de sua estalagem. Literalmente. Ele cerrava as pessoas muito altas e esticar as pessoas baixas. Ou seja, tratava organismos como máquinas. E é justamente isso que fazemos com os sistemas econômicos hoje. Acontecimentos aleatórios são abomináveis. Tudo é planejado (e mal planejado, diga-se de passagem). As coisas são planejadas de acordo com o que de pior que já aconteceu, ignorando o fato de que a natureza e a economia são implacáveis. Vide Fukushima. Os reatores foram programados para aguentar o pior terremoto já registrado, mas ninguém pensou que um muito pior poderia acontecer. E aconteceu.

A centralização possibilita esse tipo de planejamento autoritário. Há uma frase muito boa no livro: "Stálin não poderia ter existido em um município." Se fôssemos menos centralizados, estaríamos mais livres de burocratas planejadores.

Não devemos temer eventos aleatórios. Devemos encará-los e melhorar com eles. No livro, estoicismo é definido como uma indiferença ao destino. Ser estoico é ser imune aos eventos aleatórios. É ser antifrágil.

Heurística e iatrogenia: as críticas à medicina (ou ao seus métodos atuais)

Um dos motivos desse livro ter tantas críticas negativas são suas críticas à academia e às ciências, principalmente à economia e à medicina. Melhor dizendo, a crítica aos métodos.

No caso da medicina, até o advento da penicilina, ela tinha um saldo bastante negativo. O livro está repleto de citações antigas, de diversos locais do mundo, criticando a medicina. A medicina é cheia de histórias bizarras. Sangrias, cirurgias estranhas, etc. Mas, até pouco tempo atrás, em certas localidades, utilizava-se o método da heurística, que pode ser conceituada como um método de solução de problemas baseado em um "chute aproximado". É tentativa e erro, anotando-se os erros para que não se repitam. A maioria dos medicamentos foram descobertos assim (quase nada foi descoberto fazendo-se pesquisas específicas). Taleb adora esse método. 

Hoje em dia, descartou-se a heurística, e os métodos empregados causam iatrogenia: é a pessoa ficar doente mesmo seguindo tudo o que o médico fala. Nos EUA, erros médicos matam três vezes mais do que acidentes de carro (número esse aceito pelos próprios médicos). Pessoas ricas e políticos estão cercados de médicos, mas não vivem mais ou melhor do que as pessoas comuns por causa disso, além de não estarem livres de erro médico (vide Michael Jackson).

A famosa metáfora do barbell

Uma das partes mais famosas do livro é a metáfora do barbell. Barbell é basicamente a barra de ferro usada nas academias, em que é possível colocar anilhas dos dois lados. A estratégia de Taleb consiste em colocar dois pesos diferentes de cada lado, um bem pesado e um pequeno. Ou seja, trata-se de dois extremos diferentes, com nada no meio. Isso quer dizer que, em um lado (o mais pesado), devemos concentrar nossos esforços onde há pouco risco. O meio, que é a barra, é o nada, ou seja, não se aposta em coisas medianas. O outro lado é a parte mais arriscada, onde apostamos um pequeno valor. Trata-se do extremo amor ao risco de um lado, e extrema aversão ao risco, no outro.

Isso é muito aplicado no mundo dos investimentos (uma das minhas citações favoritas do livro é: "Nunca pergunte a opinião de alguém; pergunte qual o seu portfólio de investimentos"). De um lado, colocaríamos, digamos, 80% do nosso dinheiro em investimentos seguros, como fundos de investimento (poupança não é nem considerada porque, com ela, perde-se poder de compra); do outro, aplicaríamos os 20% restantes em ações, opções ou mercado futuro. O meio é sem graça e irrelevante.

Na natureza também existem vários exemplos de barbell. Taleb conta que fêmeas de pássaros monogâmicos traem os "maridos", mas elas não os traem com um pássaro mediano, elas traem com um macho alfa. A mesma coisa com os seres humanos. As mulheres tendem a se casar com caras medianos, com salários estáveis (Taleb dá o exemplo do contador ou do economista), e os traem com "astros do rock".

Ele também dá o exemplo dos escritores (meu caso!). Muitos escritores, principalmente os europeus, escolhem profissões fáceis no funcionalismo público, do tipo que termina quando você bate o ponto e é esquecida completamente quando você chega em casa, para usarem o tempo livre para escrever (também é o que eu procuro!).

Os exemplos não param. Na escola, Taleb (e eu também), conta que usou uma pequena parte do tempo para tirar a nota mínima para passar de ano, e o resto do tempo, para estudar o que realmente queria aprender. Uma pessoa pode passar décadas para se firmar como uma referência em dada profissão, apenas para parar e seguir algum sonho. Se esse sonho der errado, basta que ela volte para aquela profissão.

Conclusão

Deu para perceber que muitas coisas do livro eu já fazia. Eu só não conhecia os nomes que Taleb inventou e não as havia aprendido de forma sistematizada (heurística!).

Gostei muito da leitura. Esse tipo de linguagem mais zueira é o que eu gosto de ler. Se eu quisesse linguagem científica, procuraria artigos no Scielo (coisa que eu não vou fazer, valeu). Pude aprender muitas coisas. Viajei por vários séculos e vários locais diferentes. Dei muita risada.

Já deu para perceber que recomendo muito o livro.

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