Livros populares que odeio #2: Neuromancer

Após ter falado da porcaria que é Trono de Vidro (o primeiro ep. não poderia ter sido outro), o tema de hoje é Neuromancer, livro de 1984 do canadense William Gibson, que é um dos mais importantes da ficção científica. Importante, porém ruim.


Título: Neuromancer
Autor: William Gibson
País de origem: Canadá
Data de Lançamento: 1° de julho de 1984
Editora no Brasil: Aleph

Esse livro é quase impossível de entender. As descrições são ruins e usadas nos lugares errado; o autor descreve coisas que eu não me importaria se não fossem descritas e deixa outras quase com pouco ou nenhum detalhamento. A única coisa que tem detalhes é o corpo da personagem Molly. Gibson parece gostar de cenas de sexo. Logo no início, há uma bem detalhada.

Boa parte de Neuromancer é um “road movie” com os personagens percorrendo cidades em um ritmo extremamente rápido. As descrições são tão porcas e o ritmo, tão acelerado, que a escrita acaba se tornando pouco memorável. A cada parágrafo (e eu quis dizer “todos os parágrafos”), eu pensava: “que merda eu acabei de ler?”. E aí esquecia tudo.


E também tem a questão das nacionalidades. É uma estória bastante internacional, então temos pessoas de diversas partes do mundo. O problema aqui é que o autor usa as nacionalidades como adjetivos (não raro, como o único adjetivo para o personagem). Há passagens do tipo: “Eu acho que aquele menino é mexicano. Não, ele é brasileiro. Acho que é do Rio.” Um dos personagens também é denominado como “finlandês”. Fico imaginando o que Gibson quer que pensemos aqui, um estereótipo dessas regiões? O brasileiro seria um pardo e o finlandês, um loiro? E o mexicano, usaria sombrero e poncho? Eu até entenderia em casos em que a nacionalidade e a etnia se confundem, como os japoneses. Mas certamente não é o caso dos brasileiros.


Outra coisa que me incomoda são as megacorporações. Em Neuromancer, elas são ruins e pronto. Muitas vezes nem sequer têm nome e não sabemos ao certo o que elas fazem. Vemos isso muito no sci-fi, principalmente na déc. de 90 (influência de Neuromancer?). Eu gostaria de uma explicação melhor sobre os vilões da estória, sobre os “bad guys”. Pois assim eu poderia entender melhor os objetivos dos próprios protagonistas. Da forma genérica em que está, não consigo me importar com os personagens.


A linguagem utilizada e os diálogos também não ajudam nada. Pelo contrário, há palavras inventadas que necessitam de um glossário no final do livro. E as falas dos personagens são esquisitas pra caramba. Alguns até usam dialeto. Isso é estranho porque o ritmo que o autor quis imprimir é interrompido para consulta do significado dessas palavras. A maioria dos personagens é desinteressante. Não há um grande estudo de personagem aqui. Quem gosta de apreciar estórias assim, nem leia. Os passados deles não são descritos, o que faz com que o leitor não saiba de suas reais motivações; a moralidade é dúbia. Resultado: você não se importa com ninguém. É mais ou menos o que acontece com TLoU2.

Case, o protagonista, é só um fracassado, viciado em drogas e em entrar no ciberespaço (a Matrix). Ele é um anti-herói, no jargão do storytelling. A Molly, a segunda protagonista, amante ocasional de Case, é simplesmente uma femme fatale e nada mais. Ela é a única que tem um passado: ela conta rapidamente sobre Johnny Mnemonic, personagem de um conto de Gibson (e que tem um filme com Keanu Reeves), mas não tem nenhuma profundidade além disso. Certo que ela foi a primeira mulher da ficção científica a não ser vilã ou interesse amoroso, mas lendo hoje em dia é só uma personagem rasa.


Arte por Juan Gimenez.

Pesquisando em renomadas fontes de informação (leia-se: o reddit), encontrei algumas respostas para esses problemas.


O jeito que os personagens falam são as gírias canadenses das décadas de 60 e 70, período de infância do autor. O jeito que os personagens falam são as gírias canadenses das décadas de 60 e 70, período da infância do autor.


O ritmo acelerado, a falta de descrição e a confusão generalizada é o estilo que Gibson escolheu para dar o tom do livro. A ideia dele é que a tecnologia evolui muito rápido e nós nunca lemos os manuais. E ele também não liga se o leitor não entender patavinas. Na verdade, a melhor forma de apreciar esse livro é, como dizem os cariocas, “ligando o botão de FODA-SE”.


Ler Neuromancer é como apreciar uma pintura impressionista. É como assistir um filme de Gaspar Noé. Você tem que se deixar levar. É mais sobre o sentimento que causa do que, propriamente, entender.


Mas eu odeio pintura impressionista. E também não sou nenhum fã de Noé.


Esse livro simplesmente não é para mim. Não leio as continuações nem que me paguem (quer dizer, depende do valor). E esse é o maior problema de Neuromancer: você quer gostar desse livro. Mas simplesmente não dá. Você se esforça, tenta de tudo. Lê, lê de novo, lê em inglês, pesquisa na internet, vê vídeos, entrevistas, acessa fóruns vira o livro de cabeça para baixo (tá, esse último não porque li no PC) e NADA. As informações simplesmente não entram.


E eu deveria ter medo de falar isso (não tenho porque sou meio doido) porque os fãs podem querer me matar. Imagine entrar em uma convenção e gritar: "Neuromancer é uma merda!". Você morre esfaqueado.



Arte por Maxim Lysak.


Lembra que eu disse que Neuromancer era “importante, porém ruim”? Então agora eu vou falar de sua importância.


William Gibson previu muita coisa. O computador pessoal (PC), a internet, os hackers (na verdade, seria cracker, o que faz alguns hackers reclamarem da estigmatização sobre eles hoje em dia). Tudo isso foi previsto pelo autor, o que é impressionante. O primeiro Macintosh foi inventado no mês de lançamento de Neuromancer. O cara tinha pouquíssimas referências e esse foi o primeiro livro dele!


Gibson tem ótimas ideias, mas todas mal executadas. Eu gosto particularmente dos nomes que ele inventou. Os hackers são cowboys (até porque podem acessar a visão de outra pessoa). Ele inventou o nome Matrix (que foi copiado no filme). O arquétipo do herói do cyberpunk, Street Samurai, que luta contra as MEGACORPORAÇÕES distópicas, também foi inventado por ele.


Outra coisa que deve ser mencionada é a frase de abertura. Eu sou muito fã de primeiras frases, chegando até a fechar um livro ou conto se a primeira frase não for boa. E devo admitir que "O céu sobre o porto tinha a cor de uma televisão sintonizada num canal fora do ar" é uma frase que dá uma imagem muito forte (e dá o tom da obra).


Ao lado de Akira (1988, Dir. Katushiro Otomo) e Blade Runner (1982, Dir. Ridley Scott), Neuromancer é a obra mais importante do cyberpunk e uma das mais importantes da ficção científica em geral. Foi o primeiro livro a ganhar os três principais prêmios da literatura de ficção: Hugo; Nebula; e Philip K. Dick. Sem Neuromancer, não teríamos Matrix. Provavelmente não teríamos o excelente Ghost in The Shell. Toda uma geração de autores não teria sido criada. Importante, porém ruim.


E eu devo dizer: sou grato a William Gibson. Sou muito fã de cyberpunk e tenho me dedicado a escrever sobre isso nos últimos meses. Ghost in The Shell está no meu TOP 10 filmes favoritos de todos os tempos. Talvez eu não estivesse escrevendo essas estórias se esse livro não tivesse existido (e tenho que escrever rápido, o próprio Gibson falou que o gênero cyberpunk está morto, porque estamos vivendo nele).


É por isso que eu odeio Neuromancer! Gerou tanta coisa boa e é tão ruim!


Enfim, eu sei que o livro tem muitos fãs. Alguns até o colocam como livro de cabeceira (tem maluco para tudo). Mas ele não funciona para mim. Nós, autores, fazemos escolhas ao produzir nossos trabalhos. Certamente há quem fique zangado com as opções narrativas dos meus livros. Não dá para agradar todo mundo. Gosto é gosto.


Para mim, ler Neuromancer é como ler Haruki Murakami: você se sente um idiota a todo momento. Você termina a estória e pensa: “Não entendi nada, sou retardado?”; ou “tem algo a mais aqui, eu é que sou burro demais para entender!”. A diferença é que, com Murakami, realmente tem algo a mais ali, você tem que pensar, a estória fica remoendo por dias.


Mas Neuromancer é só doidera mesmo.


Continue lendo. Continue escrevendo.


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