Non-fiction Review #2: Tokyo Vice e Tokyo Underworld

Decidi ler Tokyo Vice, um livro sobre um jornalista americano radicado no Japão que se envolveu com a máfia, e, quando terminei de ler, percebi que tinha comprado Tokyo Underworld, um livro similar, há mais de um ano atrás. Então decidi lê-lo também e emendar ambos os livros na Non-fiction Review, o quadro em que falo de livro de não ficção aqui no canal. Esse será o primeiro post do ano. Vamos lá.


Tokyo Vice: An American Reporter on the Police Beat in Japan (Jake Adelstein, 2009)

Como já deve estar claro, sou vidrado na cultura do Leste Asiático, particularmente na cultura japonesa. Animes, mangás, jogos, filmes, história e cultura... tudo me chama a atenção lá, e eu devo gastar mais da metade do meu tempo livre consumindo produtos japoneses. E isso me levou a ler Tokyo Vice, livro que fala sobre a Yakuza no Japão, particularmente na década de 90, época em que eles estavam tão fortes quanto nas décadas passadas (mais sobre isso adiante).

O livro é narrado em primeira pessoa por Jake Adelstein, um americano caipira de origem judaica que foi estudar na Sophia University, em Tóquio, uma das universidades mais internacionais do Japão, com muitas aulas ministradas em inglês. Jake se formou jornalista e foi contratado por um jornal de grande circulação. Em pouco tempo, estava fazendo jornalismo policial. 

Ele passou a investigar a Yakuza, particularmente como eles gostavam de subornar estrangeiros, pois estes não têm apoio da polícia e provavelmente seriam deportados se procurassem ajuda, já que muitos não têm o visto correto. Mas o que mais chamou a atenção de Jake foi o mercado sexual do Japão. Apesar de a prostituição ter sido proibida no pós-guerra (após séculos como atividade legítima), ela continuava, mas de uma maneira um tanto curiosa. A penetração em si era proibida, então as profissionais do sexo tiveram que exercitar sua criatividade. Clubes de strip; cafeterias em que uma menina fazia boquete em você por debaixo da mesa; clientes podendo colocar a cabeça em baixo do vaso sanitário para ver e beber... enfim, tudo menos o sexo propriamente dito. Pelo menos, oficialmente, porque sexo acontecia sim, e muitas mulheres estrangeiras trabalhavam nesse mercado.

Jake descobriu toda uma rede que engava mulheres estrangeiras. Elas achavam que iam trabalhar como "hostesses", uma espécie de anfitriã que é paga para conversar e beber com os homens, só que acabavam como escravas sexuais, tendo que pagar a dívida com serviços. E, pasmem, as mulheres não poderiam nem sequer ir à polícia, pois seriam deportadas por não poderem trabalhar. E quem estava por trás disso? A Yakuza, é claro.

Jake passava a maior parte do tempo nesses clubes sexuais, conversando com as garotas e tentando angariar informações. Ele passou a escrever e publicar artigos, chamando cada vez a atenção dos mafiosos. Até que ele chegou em um chefão que tinha feito transplante de fígado nos EUA... E foi aí que o bicho pegou.

Na verdade, o livro começa com um prólogo: Jake, sozinho em uma sala com um mafioso. Jake está suando; o mafioso, está tranquilo. Ele pede para que Jake não publique o artigo de forma alguma. Se o fizer, a vida dele (e da sua família também) estará em risco. Jake diz que não vai publicar...

Acontece que o tal chefão era do Goto-gumi, a mais violenta família da Yakuza. Eram eles que jogavam pessoas de cima de prédio, matavam familiares, decepavam, não tinham piedade nem de mulheres e crianças (na verdade, atacavam os familiares mais fracos só para mexer com a pessoa). O transplante que esse chefão havia feito nos EUA foi muito estranho. Ele pulou a fila e recebeu o fígado de um jovem que havia morrido em um "acidente" pouco tempo antes. O procedimento aconteceu na universidade UCLA.

Em poucos anos, Jake passou de um judeu narigudo e caipira ao maior inimigo da máfia japonesa.

Por ser em primeira pessoa, o livro é muito cativante de se ler. Parece que você está lendo um romance de ficção mesmo. Além do humor ácido do autor, você também percebe que não sabe nem 1% do que você sabia sobre o Japão. Eu achava que sabia muito, mas esse livro provou que eu estava errado.

Você acaba absorvendo várias informações aleatórias. Por exemplo, ternos pretos são só para funerais: ninguém usa um em qualquer outra ocasião, exceto se for um yakuza... ou se você for o autor do livro em uma entrevista de emprego! 

Os yakuza se referem a si mesmo como Gokudo, que significa caminho final (e é daí que sai o título do bizarro mangá e anime Gokudolls); e os policiais costumam se referir a eles como "corretores", tamanha a participação deles nesse setor. A Yakuza é dona de estúdios de filmes, então os yakuzas que aparecem nas telonas são realmente membros da organização.

Os Yakuza na verdade são pequenos e com a saúde debilitada. O método tradicional de tatuagem, aquele feito com pauzinhos, destrói as glândulas sudoríparas, e as agulhas, que não são limpas, espalham hepatite C. Então os Yakuza são franzinos e doentes, além de terem corpos "tóxicos", que não expulsam as toxinas. Mas não se engane. Coragem não falta para eles. Cortar o próprio dedo. Ir para a prisão sem pestanejar. Matar ou bater em alguém... Tudo isso eles fazem. Saúde debilitada ou não.

O budismo tem 108 pecados capitais. O Japão abriu as portas para iranianos na déc. de 80 por conta da falta de mão de obra, e muitos acabaram ficando. Japoneses costumam tirar os sapatos antes de cometerem suicídio, pois isso significa passar para o outro lado...

Enfim, várias informações interessantes aparecem no livro, mesmo para quem acha que entende do assunto. E, mesmo para quem nem se interessa, é um livro engraçadíssimo. As piadas de Jake são muito boas.

Além disso, há uma série de TV prestes a ser lançada. O elenco é impressionante. Ansel Elgort será Jake. Rinko Kikuchi, Ken Watanabe e outros famosos também farão parte. Nossa, que hype!


Tokyo Underworld: The fast times and hard life of an American Gangster in Japan (Robert Whiting, 2012)

Acompanhamos, pelos olhos de Nicola Zapetti, um americano, a ascensão do Japão no pós-guerra, e como a Yakuza (e americanos e russos) estiveram envolvidos nisso. 

Esse livro é contado em terceira pessoa, como se fosse um livro de estudo, o que o torna um pouco mais maçante e difícil de ler. Mas há muitas informações legais também.

Para o autor, o Japão pós-guerra foi o maior encontro cultural desde que toma tomou Cartago (ele escreveu o livro antes de o Corinthians ir jogar o mundial). Dezenas de milhares de ex-soldados americanos foram morar lá, além de soviéticos. Um grande mercado negro surgiu. E quem controlava? Yakuza, claro. É por isso que dizem que os Yakuza ajudaram a reconstruir o Japão pós guerra, e é por isso que eles têm tantos fãs dentre os japoneses até hoje.

Houve um período em que um presidente americano estava para visitar o Japão. Como não havia polícia suficiente, 30.000 yakuza foram escalados para fazer a segurança. A visita acabou não acontecendo.

Em troca de o Japão serem um aliado anticomunista, os EUA não interfeririam tanto em sua economia. Isso fez surgir uma "sociedade sombria" (a Yami Shakai), um mercado livre que o autor chama de "a primeira experiência japonesa com a democracia". Todos eram iguais nesse mercado. E o papel dos americanos nisso foi fundamental. Jovens vinham e traziam cigarro, sabão e outros produtos para serem vendidos. O governo japonês mobilizou milhares de mulheres para "saciar a libido" desses americanos. A primeira medida governamental quanto a isso. A primeira expedição terrestre americana em Tóquio foi recebida por um caminhão cheio de prostitutas.

Americanos traziam coisas e compravam coisas para mandar de volta. Mas a participação russa é que foi a mais interessante. A própria União Soviética mandava pessoas e dinheiro para sustentar o mercado negro, pois acreditava que ele destruiria o capitalismo. O autor fala que os soviéticos frequentavam casas de prostituição para pregar o comunismo a prostitutas.

Imigrantes italianos, parentes de mafiosos, participaram do mercado negro. E é aí que se encontra Nicola Zapetti, protagonista do livro. Ele era de East Harlem, Nova Iorque, lugar controlado pela máfia italiana. E foi com eles que ele aprendeu a conduzir seus negócios. Ele passou a ser o chefão do crime de Tóquio, e ficou assim por décadas. Casou com quatro mulheres japonesas (todas as suas ex-esposas tornaram-se riquíssimas com os respectivos divórcios), e ele abriu a primeira pizzaria do país. Ele calculou que, se não fosse os divórcios, ele teria ficado bilionário (em dólar, claro).

Durante esse período pós-guerra, muitos americanos casaram-se com japonesas e as levaram de volta aos EUA. O governo americano fazia propaganda dizendo que elas estavam felizes por lá, e, quando os japoneses perguntavam sobre preconceitos contra negros, o governo dizia que este não existia. Acontece que os casamentos também não davam muito certo. As japonesas, querendo se libertar do machismo de seu país, se casavam com americanos porque achavam que seriam livres, mas muitos americanos queriam casar com japonesas justamente porque sabiam que elas seriam submissas.

Já ficou claro que esse encontro cultural não foi muito saudável. Pelo contrário, aumentou o ódio dos japoneses para com os estrangeiros. Eles esperaram até a déc. de 80, quando se tornaram potência econômica, para revidar. Desde essa época até hoje, muitos estabelecimentos são fechados para os gaijin (não-japoneses), e o sentimento de que os japoneses são melhores do que todos os outros povos só aumenta. A palavra gaijin implica que há o japonês e há "o outro".


Livros desatualizados

Colocando meu conhecimento em prática, percebi que ambos os livros estão desatualizados quanto ao fato de a Yakuza ainda ser forte. A Yakuza está morrendo. Uma nova Lei Anti-gangster vigora no Japão. Quem tem tatuagens mal pode frequentar casas de banho e academias, quem diga procurar emprego. Quem sai da Yakuza tem pouquíssimas oportunidades (até porque entrou na Yakuza por ser um excluído da sociedade), e pessoas novas não querem entrar na organização. Quando você vai alugar um apartamento, você tem que assinar um papel dizendo que não está ligado a nenhuma organização criminosa.

Em resumo, a Yakuza está morrendo. E isso é ruim.

No lugar da Yakuza, estão surgindo criminosos chamados Hangure (algo como um "meio criminoso"), que não têm nenhuma ética. Ao contrário dos yakuza, que são honrados e seguem o Gokudo, os hangure são só bandidos mesmo, e não estão nem aí para nada. As leis estão piorando situação por lá.

O número de membros da Yakuza permanecia estável até a época da finalização desses dois livros, mas começa a cair. E, em seu lugar, pessoas piores estão aparecendo.




Enfim, obrigado por ler o post. Em breve, voltarei com mais reviews de filmes e de livros de ficção.

Até mais!

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