Dicas de Escrita #5: Minha opinião após assistir três MasterClasses sobre escrita

Esse post bem que poderia se chamar “Eu assisti três episódios de MasterClass®, então você não precisa.”
Uma master class é uma aula dada por uma pessoa renomada em sua área. Em português, seria algo como aula magna. Elas não são nada novo, e particularmente acontecem nas artes, mas também podem ocorrer em universidades.

Já o MasterClass® é um site que agrega aulas de diversos assuntos, ministradas por famosos. Tem de tudo: de culinária a exploração espacial. O apelo deles é grande. Eles têm um marketing forte. Parece que os famosos de todas as áreas estão lá. Samuel L Jackson e Natalie Portman ensinam a atuar. Martin Scorsese e David Lynch ensinam a fazer filmes. Gordon Ramsay (o Jacquin dos EUA) ensina a cozinhar.

Mas, falando do que nos interessa, a escrita: ela parece ter um lugar especial na MasterClass. Há muitos escritores dando aula lá. Na data de publicação deste post, eram treze. São todos escritores conhecidos e best-sellers, dando aulas específicas como: escrever para a televisão; escrever drama; escrever comédia; escrever para crianças... Margaret Atwood e Dan Brown estão lá.

Vendo isso tudo, nossos olhos brilham, e clicamos. Ficamos maravilhados; o site é lindo. Estampamos um sorriso na cara quando vemos rostos conhecidos dando aula... Mas aí vem o susto: o preço. A MasterClass é bastante cara, e ainda por cima é em dólar. Eles têm um sistema bem esperto de cobrança: ou você compra aulas avulsas ou você paga a inscrição anual, tendo acesso a todas as aulas. Uma aula custa U$ 90 e a inscrição anual custa U$180.


Um absurdo!


Em 05/08/2020, o dólar americano custava R$ 5,29. Ou seja, uma aula avulsa R$ 476,49 e a inscrição anual, R$ 952,97. Esta última eu acho particularmente ridícula. Funciona assim: se você compra no dia 1° de janeiro, você paga U$ 180,00 nesse dia, e mais U$ 180,00 em 1° de janeiro do ano seguinte (a cotação da moeda pode variar). A pergunta que fica é: por que diabos não pode parcelar??? Deixei de fazer um curso de idiomas online porque o sistema era justamente esse.

Mil conto é dinheiro demais para ser debitado de uma só vez, bicho!


Lendo sobre isso, vi que o sistema da MasterClass é, acima de tudo, uma aula de como monetizar conteúdo. Eles são um sucesso total: já levantaram mais de U$ 100 milhões. Mas enfim… já estou desviando muito do tópico.

Eu fiz as aulas de Neil Gaiman, que ensina “A arte do Storytelling”; de Joyce Carol Oates, que ministra “A arte do Conto”; e de Malcolm Gladwell, que foca em não-ficção, apesar da aula dele chamar-se apenas “Escrita”.

Abaixo, conto a minha experiência.

A propaganda dessa MasterClass me enchia tanto o saco que acabou sendo a primeira que eu fiz.


Dividida em 19 tópicos, que vão desde a mera introdução, passando por contos, diálogos, descrições, e culminando nas responsabilidades do escritor, a MasterClass de Neil Gaiman tem quase cinco horas. E por um único motivo: ele fala devagar.


Na aula 3, “sources of inspiration”, ele faz uma metáfora muito boa para o cérebro de um artista: a compostagem. Sabe aquele negócio nojento usado para adubar? Então, aquilo é o que sai do cérebro do escritor. Ao longo da vida, vamos tendo experiências, convivendo com pessoas, assistindo filmes… Isso tudo vai entrando em nossa cabeça, vai maturando e se misturando. Um tempo depois (que pode ser dias, meses ou anos), temos a nossa compostagem: uma mistura de tudo que vivemos nos anteriores. Esta é a nossa estória.


Na aula 7, “short story”, Neil diz que contos são para praticar. Eles podem fazer de você um escritor melhor. Você aprende muitas coisas. Pode-se testar estilos, pontos de vista, e até aprendemos a lidar com rejeição. Ele também fala que o personagem já existia antes do conto; aquela estória é só um pequeno recorte da vida dele. É como o clímax de uma estória maior. Tchekhov já falava disso. Para o russo, para escrever um conto, você pega uma estória com início, meio e fim. Aí você corta o início e o fim. O que sobrar é o conto. Cortázar também fala mais ou menos a mesma coisa quando diz que o conto é a escrita do nocaute, e o romance vence por pontos.


Em “descriptions”, Gaiman fala que um substantivo pode ser descrito apenas com um ou dois adjetivos fortes. Por exemplo, ao invés de dizer as medidas de uma porta, dizemos uma “grande e velha porta”. Engraçado, porque acho que ele mesmo não faz isso.


Na aula sobre diálogos, ele diz que não precisamos usar nada além de “ele disse”. E, a julgar pelo o que eu li dele, ele segue isso à risca. É ela disse e ela disse para todo lado, mesmo quando tem só dois personagens. Na minha opinião, isso deixa a leitura muito cansativa.



E é isso. Eu realmente absorvi muito pouco aqui. Quase tudo que ele falou, eu já sabia. O resto, são só histórias da vida dele, exemplos, leituras de seus próprios livros e quadrinhos -- a aula sobre quadrinhos, diga-se de passagem, é uma piada; ruim demais. O melhor da aula foi todo colocado no trailer. E pensar que o próprio é professor universitário...



A Masterclass dela é chamada “A Arte do Conto.” E esse foi o motivo de eu ter arriscado assistir, mesmo não conhecendo a autora.


Eu nunca havia lido nada dela. Só escolhi fazer essa MasterClass porque era sobre contos, e eu estou em uma vibe de escrever contos esse ano. E só li o que ela mandou ler nas aulas, porque iria revisar depois (ela foca bastante em revisão). Ela também dá aulas de escrita em Princeton e Berkeley.

Apesar de também falar devagar, a aula dela é bastante menor. Tem menos de três horas. Isso porque os episódios são pequenos. E foi dela que eu menos absorvi. Todas as dicas dela são comuns aos outros dois autores ( e a outros manuais também).

Ela fala que se deve finalizar as coisas os mais rápido possível. Fala até na liberação de hormônios de prazer que isso causa no cérebro. Ela passa um bom tempo falando na satisfação de terminar a primeira versão de um texto. Por isso contos são importantes, principalmente para o autor iniciante. A própria escreveu milhares (sim, milhares).

Deve-se deixar a obra descansar pelo maior tempo possível. Ela conta a história de um poeta que falou que, se pudesse, só editaria seus poemas dentro do caixão.

A edição deve simplificar o texto, diminuí-lo, como se fosse polir um diamante de suas impurezas. Stephen King também fala isso em Sobre a Escrita.

E isso é basicamente tudo. Ela também dedica algumas aulas aulas para revisar textos de dois de seus alunos e também de um texto seu e outro de Hemingway, mas confesso que não absorvi nada.

Também não me tornei fã dela. Li o conto Where are you going, where have you been? que ela publicou na década de 60, quando era universitária, e não gostei. Ela tem uma escrita repetitiva, veja:

“Their father was away at work most of the time and when he came home he wanted supper and he read the newspaper at supper and after supper he went to bed.”

Pois é. Acho que só fez sucesso na época porque se trata de uma estória de abuso contada da perspectiva da vítima.   



Esse sim é um autor que eu gosto. Ele é autor de Outliers:os fora da curva, que eu li no início da facul. Para mim, ele é o melhor escritor de não-ficção da atualidade, ao lado de Nassim Taleb, autor de Antifrágil e de Harari, autor de Sapiens.


A MasterClass dele é tão grande quanto a de Neil Gaiman: quase cinco horas. Ele até que fala rápido, mas passa pouco conteúdo. A maior parte do tempo é ele contando histórias de sua vida.


A primeira dica que ele dá é na aula “tools for engagement of readers”, em que ele fala do “candy”, que é uma parte memorável do texto; o que os leitores vão se lembrar depois, porque não é possível se lembrar da refeição inteira. Ele também fala que devemos controlar a informação, com o propósito de deixar o público adivinhar. Malcolm dá o exemplo de uma psicóloga que fala normal quando profissionalmente, mas muda de tom  quando fala do marido.


Na aula de estudo de caso, Gladwell fala sobre The Pitchman, texto dele sobre um cara que vendia utensílios de cozinha. Já que esse homem era uma criatura de seu meio, Gladwell falou de seus pais e de sua infância. O texto começa falando da fase adulta e só depois da infância, que foi bem triste. Quando ele dá essa informação o impacto é grande porque ele deixou mais para frente. Tudo foi “set the stage” para esse momento.


Em “pesquisa”, ele manda você sair do google! Vá para uma biblioteca, pois “bibliotecários são as pessoas mais legais do país!”


As seis últimas aulas antes da conclusão são as únicas dignas de serem assistidas.


Em “títulos”, Gladwell diz que eles devem ter tensão, emoção. Uma dica é ter duas palavras que se contradigam. O título é uma propaganda e deve ser assim ser considerado pelo escritor.


Em “drafts and revisions”, ele fala que se deve escrever enquanto se pesquisa, e que é melhor que já saibamos o final, pois aí faz todo o processo ficar mais fácil. King também falou disso em Sobre a Escrita (mas ele falou que é contra). Se você tiver bloqueio, reescreva alguma coisa ou pule para outra cena. Escritores não são cirurgiões. Nós podemos fazer a mesma cirurgia quantas vezes precisarmos, até estarmos satisfeitos.


“Como ler” foi a melhor aula para mim. Nela, Malcolm diz que o bom leitor é aquele que procura a intenção do escritor. Deve-se, por exemplo, prestar atenção no contexto em que aquela obra foi produzida, o ano de seu lançamento, etc. O leitor que dá uma avaliação negativa para um livro que ele teria escrito de maneira diferente, é um mau leitor. Se o escritor tinha um objetivo e falhou, aquele texto é objetivamente ruim (essa opinião é minha), mas, se escreveu de um jeito que não agradou, não necessariamente é ruim. Parece que essa aula foi feita para mim; eu comecei esse blog falando de livros que odeio. Após assistir a essa aula, passei a enxergar as coisas de um jeito diferente.


Prefiro ver essa masterclass

O problema fundamental da Masterclass é que eles não são professores. Pelo menos durante as videoaulas do site. Gaiman e Joyce deram, sim, aulas em universidades, mas aqui eles são apenas veteranos em suas áreas, que conversam de maneira informal com um grupo de alunos. Na maior parte do tempo, eles contam histórias, “causos” que viveram. Simplesmente porque essa é a proposta da Masterclass. Me faz lembrar de artistas que são convidados a palestrar em escolas. Um pintor uma vez foi na minha. Quem é da década de 90, deve ter visto apresentações de ioiô.

Ouvi falar de um cara que foi cursar MBA no exterior. O professor estava falando de como ele havia falido várias empresas. Então o cara perguntou: “se você faliu as empresas, por que devo acreditar no que você fala?” O professor riu e respondeu dizendo que a teoria é a mesma para todos. Um professor que não fez sucesso pode dar aulas de uma maneira bem mais didática do que alguém que foi bem sucedido naquela área. Achar que um escritor famoso vai lhe ensinar a escrever é como achar que um ministro do STF é um bom professor de Direito.


Também tem a questão do preço. Simplesmente não vale a pena. É possível achar coisa similar ou até melhor, de graça, na internet (e dos mesmos autores!).

Nenhum dos professores fala nada novo. Eles só falam do jeito deles. Stephen King fala as mesmas coisas em Sobre a Escrita. E, na MasterClass, poucas coisas que você aprende você colocar em prática.

Concluo dizendo que a MasterClass não vale o investimento. Ao não ser que vc não saiba NADA sobre NADA (e tenha um pai rico). Se fosse no Youtube, eu daria um joinha e me inscreveria no canal. Mas me arrependo de ter pago a MasterClass. É muita grana. Quantos livros de escrita você poderia ter comprado com esse dinheiro?

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