Dicas de escrita #6: Como eu escrevi o conto Sangue Vienense

Meu conto Sangue Vienense é semifinalista do III Prêmio ABERST de Literatura, na categoria Conto de Terror! Para comemorar, escrevi esse post sobre a história por trás desse conto, como e por que eu o escrevi da forma em que escrevi, e algumas curiosidades. 



Inicialmente, Sangue Vienense foi escrito para a antologia da editora Wish, Galeria Clarke de Suspense e Mistério, organizada por Juliana Daglio (@judaglio2). A proposta era ter estórias baseadas nas ilustrações do irlandês Harry Clarke, que, por sua vez, eram baseadas em contos de Edgar Allan Poe. Como não é segredo para ninguém (que leu o conto), eu escolhi a ilustração que retrata A Queda da Casa de Usher. 

Eu estava muito animado para essa seleção, já que foi feita por uma das editoras mais maneiras do mercado literário atual e pagava uma porcentagem das vendas para os autores. Isso é raro. O que acontece geralmente é que o próprio escritor tem que pagar para ser publicado. 

Infelizmente, não fui selecionado. Pior ainda foi o fato delas terem falado que não iriam mais fazer antologias desse tipo. Mas comprei a antologia, li e não gostei dos contos. O único que gostei foi o de Cláudia Lemes; os outros, achei ou ruins ou péssimos. E isso alivia um pouco, pois não vale a pena estar ao lado de contos que você odeia. 

O conto também foi rejeitado pela revista A Taverna na primeira fase. E não foi finalista do Prêmio Odisseia, na categoria melhor narrativa curta de horror.

Sangue Vienense é uma reimaginação de The Fall Of The House of Usher, retratado acima por Harry Clarke, em uma das ilustrações da coletânea dos contos de Poe chamada Contos de Mistério e Imaginação, publicada pela London's George G. Harrap and Co., em 1919.

As regras de submissão para a antologia diziam que o texto deveria ter até 15.000 caracteres, então eu deixei exatamente com isso (e, se não me falha a memória, o conto tinha 10 páginas e 100 parágrafos). A quantidade de palavras eu não lembro, mas também era um número fechado. A ideia era deixar com a sincronia perfeita, como a de uma música.

Como fui rejeitado pela organizadora da coletânea, ampliei o texto, inserindo várias referências a várias obras de Poe. Há várias cenas que parecem estranhas, mas é só pensar um pouco que você vai se lembrar do conto que elas referenciam. O exemplo mais óbvio é o do gato preto e caolho que a protagonista acaricia. 

E por falar em música, é daí que eu tirei o título do conto. Wiener Blut, sangue vienense em alemão, é originalmente uma valsa de Johann Strauss, adaptada para uma opereta, que é a música que a protagonista, Melanie — que também é o nome da protagonista de uma adaptação cinematográfica da música —, canta logo no início do conto. É uma daquelas músicas que todo mundo ouviu, mas não sabe o nome (pesquise “chit chat strauss” e veja do que eu estou falando).


Apresentação de Elisabeth Schwarzkopf, em 1963

O fato de a trama girar em torno de uma alemã em Viena tem várias explicações. Primeiro, vem das minhas experiências pessoais como nordestino morando no Rio de Janeiro. Segundo, das minhas aulas de alemão, pois eu gosto mais do sotaque austríaco e tento imitá-lo; assisto televisão austríaca e volta e meia faço videoconferências com austríacos para treinar. Terceiro, o meu romance, A Vira-Lata, tem um enredo parecido: o de alguém indo morar longe de casa e tentando se enturmar com os locais. 

Uma coisa que incomoda muita gente nesse conto (além da violência) são os dialetos: a protagonista fala em português do Brasil e os austríacos, em PT-PT. E isso foi uma escolha pessoal minha. O objetivo foi diferenciar a protagonista dos demais; mostrar como o sotaque alemão soa engraçado para os austríacos e eles tiram onda dela. Foi uma licença poética, por assim dizer. 

Essa rixa entre Alemanha e Áustria existe mesmo. Não é que eles não se gostem, mas há uma certa rivalidade. Quando um alemão emigra para a Áustria, é bastante zoado e vice-versa. E a própria letra da música fala de como os alemães, que não têm o “sangue vienense”, não entendem piadas, são frios, não compreendem a vida boêmia dos austríacos, etc. 

A protagonista foi baseada na atriz alemã Diane Kruger, mais precisamente por seu papel em Bastardos Inglórios (2009, Dir.: Quentin Tarantino). Foi o que eu passei para os ilustradores Sami Souza (@samisamurai), que fez a capa, e Jefferson Lima (@comicartb), do Studio Benes, que fez a sobrecapa e uma fanart.

Diane Kruger em Inglorious Basterds (2009)

Apesar de não estar explícito no conto, a antagonista é a Lady Bathory. Ou melhor, uma descendente dela. A ideia surgiu quando eu estava pesquisando a cidade de Viena. Ao ver um vídeo de um passeio turístico pela cidade, ao passar em frente a um edifício, o guia fala que era ali que Elizabeth Bathory, a Condessa de Sangue, se banhava em sangue de jovens garotas, com a janela aberta, sem se importar com as pessoas que passavam pela rua. Aí eu pensei, “Sangue? Tudo a ver!”. Aí coloquei ela como vilã. Para a aparência dela instrui o desenhista com Lilith, da adaptação cinematográfica do segundo capítulo da excelente HQ de vampiros 30 dias de Noite (Steve Niles e Ben Templesmith). 

Já a capa, com as duas se encarando, é baseada em uma encarada de luta de MMA. E as faixas nas partes de trás são a bandeira da Áustria. A cidade de Viena também é uma personagem. 

Cena da banheira em 30 dias de noite 2: dias sombrios (2010, Dir.: Ben Ketai). Infelizmente não consegui achar sem música. 

Eu escrevi Sangue Vienense enquanto estava testando estilos: essa é uma tentativa de splatterpunk ou torture porn. É horror gore mesmo, para atormentar o leitor com cenas fortes e difíceis de digerir. Pelo feedback que recebi, fui bem-sucedido. Apesar disso, a primeira metade tem uma cena de perseguição pelas ruas de Viena que as pessoas disseram que é bem angustiante, mas como um terror normal mesmo, sem sangue. O que quer dizer que o conto é o melhor dos dois mundos. 

Vou dar uma dica de criatividade. A ideia para fazer o conto foi simplesmente a junção de duas coisas: a música + o conto de Poe, só que ambientado no séc. XX, porque a música não existia antes. É isso que muitos artistas fazem. Lembre-se de quando falei de Attack on Titan (2009-, Hajime Isayama). Aquilo é uma mistura de zumbi com mecha. 

Para finalizar, apenas gostaria de dizer que eu não esperava ser semifinalista neste concurso. É a primeira vez que isso acontece desde que comecei a escrever ficção, há pouco mais de um ano e meio (e não foi por falta de tentativa!). Eu comecei a ler o resultado com bastante ceticismo, então fiquei bastante animado quando vi o nome do meu conto lá. Recentemente, também fiz a minha primeira venda da carreira, para a revista Mysterio Retro n. 2. Um alívio para alguém cujas planilhas já estão se aproximando de cem rejeições. 

Como prometido, deixo aqui a fanart feita por Jefferson Lima. A sobrecapa colorida já postei nas minhas redes sociais. Leia o conto. Principalmente se você é fã de Edgar Allan Poe. E fique atento às referências—algumas delas de contos ainda não traduzidos para o português. 

E é isso, acredito que esse é um importante passo na minha carreira como escritor. Estou esperando o resultado de, pelo menos, outros cinco concursos, além de seleções de revistas literárias. E estou confiante.


Continue lendo. Continue escrevendo. 

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Comentários

  1. Bacana ler o post já tendo lido o livro, conhecer suas influências.

    Parabéns, Alex.

    E adorei a fanart...

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