Crônica #5: Dia de Pagamento

O serviço público é mesmo uma maravilha. Trabalha-se pouco e o gordo salário está sempre em dia. Mas será mesmo?

Dia de Pagamento

No trabalho, estava tão concentrado fazendo uma tarefa que nem vi a hora passar. Um colega veio me chamar para o almoço com o resto do pessoal, mas recusei e continuei trabalhando. Por causa do ar-condicionado congelando e minha cadeira fofa, nem percebi a hora passar. Quando me dei conta, já era uma da tarde.
Me levantei e corri até o elevador, mas, antes de chegar, me deparei com todos os meus colegas no pátio.
— O que aconteceu? — perguntei. — Já almoçaram?!
— Claro que não — respondeu um dos meus colegas. Notei que todos seguravam os celulares. — É que o dinheiro não caiu.
— Como assim?!
— Hoje é dia primeiro e o dinheiro não entrou na conta.
— Mas o salário de funcionário público concursado não é estável?!
— Pois é! — todos disseram em uníssono.
Atônito, peguei o celular e olhei no aplicativo do banco. O saldo estava negativo, tinha até um sinalzinho de menos ao lado dos números.
— Números vermelhos?! — exclamei. — Eu nem sabia que isso era possível!
— Constitucionalmente, não é mesmo.
— E agora?
— Agora encosta aí e espera.
Me encostei na parede e esperei com os outros. Que dia estranho. No serviço público, receber o salário em dia é tão natural quanto cagar. Explico. Você chega no serviço (o banheiro), senta na cadeira (o vaso) e trabalha (o ato de cagar). A bosta cai na água (seu trabalho pronto) e a água bate na bunda (seu salário).
Quem diria que a água do vaso do Estado uma dia iria secar?
Um dos meus colegas teve a brilhante ideia de fazer café. Claro que deu merda. Literalmente. De barriga vazia, as pessoas começaram a peidar ("dia de pagamento") e correram para o banheiro. É claro que não tinha vaga para todos; tiveram que ir de escada para outros andares. Só quem bebeu café descafeinado que se salvou.
Ainda bem que eu tinha parado de beber café na faculdade. A cafeína destruía meu estômago. Já o café descafeinado bastou tomar uma vez para eu nunca mais beber daquele esgoto. A propósito, como é que o ser humano, dotado de intelecto, usa dos dons que recebeu para tirar a cafeína do café?! Não faz sentido.
E então, vejo os zeladores e o pessoal da manutenção, com seus macacões, esperando o elevador.
— Ei! — gritei. — Pessoal, o salário não entrou. Não tem como almoçar!
— Não tem problema — disse um dos trabalhadores. — A gente recebeu.
Todos esbugalham os olhos.
— Sério?! Como vocês conseguiram isso?!
— É que somos terceirizados.

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