Review #9: Cyberpunk:Edgerunners (Netflix, 2022)

A data de 13 de setembro de 2022 vai ficar para a história como a data em que a Netflix disponibilizou todos os episódios do anime Cyberpunk: Edgerunners para os seus assinantes. Simplesmente uma obra-prima, esse é o melhor anime do Studio Trigger (conhecido por produzir obras-primas) e o melhor anime original Netflix.

Na trama, acompanhamos a vida de David Martinez, um adolescente de 17 anos que mora em um bairro pobre da distópica Night City, mas que frequenta um colégio para ricos, graças ao trabalho incessante de sua mãe e de sua inteligência fora do comum. Acontecimentos trágicos fazem com que David se una a uma gangue de mercenários (chamados de cyberpunks ou de Edgerunners, dependendo da tradução). E daí pra frente é só doidera.

O anime é diretamente baseado no videogame Cyberpunk:2077, que, por sua vez, baseou-se no RPG de mesa criado por Mike Pondsmith, Cyberpunk 2020. Edgerunners é canônico, ou seja, tudo o que aconteceu aqui realmente faz parte do mundo criado por Pondsmith, tendo sido, inclusive, incluído no jogo, através de um patch.

Sem mais delongas, vamos ao review.




1- Enredo: preste atenção, saiba o que vai acontecer e seja surpreendido mesmo assim

À primeira vista, não há nada de especial a respeito do enredo a da estrutura. Tudo é muito previsível se você prestar atenção. 

A primeira cena é uma cena de ação, onde vemos um cyborg ter um episódio de cyberpsicose, uma condição em que as alterações tecnológicas no corpo de uma pessoa a levam à loucura (uma ótima ideia, diga-se de passagem). Ele começa a matar todo mundo, até ser morto por uma unidade especial da polícia que faria a SWAT parecer um grupo de escoteiros fanfarrões. A cena é pesada e sangrenta, já para te dar boas-vindas para a viagem que você está se metendo. E então, a cena corta para o personagem principal acordando de uma espécie de de "cyber-sonho" (um sonho induzido por realidade virtual), atrasado para a escola. 

Isso me lembrou bastante de livros de fantasia, especialmente alta fantasia, que começam com um prólogo (geralmente uma cena de ação), e depois cortam para o "garoto na fazenda", que é o órfão escolhido para salvar a humanidade. Se você já leu/assistiu uma quantidade considerável de ficção, já sabe de cor o que vai acontecer, na ordem que vai acontecer.

E, mesmo assim, você se surpreende.

Não é tão sobre O QUE vai acontecer, mas COMO vai acontecer. Você sabe quando alguém irá morrer; você só não sabe de onde o tiro vai vir, e nem QUEM vai morrer. E isto é fantástico.

Além disso, o fato de ser previsível é completamente intencional. O anime termina do mesmo jeito que começou, fechando, assim, um ciclo. Ciclo esse que se repetirá, já que é praticamente impossível fugir dele.


2 - Direção de Arte: estúdio Trigger sem deixar de ser Studio Trigger faz Cyberpunk: 2077 sem deixar de ser Cyberpunk:2077 

A direção de arte é coisa de outro mundo. Quase tudo é feito em 2D (na verdade, só sei que havia detalhes em 3D porque me contaram; eu mesmo não percebi). Sangue voa na sua cara. Diferentes cores colorem a tela o tempo todo. É como esperado do Studio Trigger. Na verdade, eles até se superaram. Fizeram algo melhor do que em Promare.

Eles conseguiram fazer um anime original do Studio Trigger, que você sabe que é um anime do Trigger há um quilômetro de distância, sem perder a identidade de Cyberpunk:2077.



Lucy.


2 - Personagens icônicos: "A LOLI FICA!"

Outra característica do Studio Trigger é o design de personagens. Ficou muito bom aqui também. Há um bom mix de personagens com próteses no corpo inteiro, com próteses apenas em partes do corpo e alguns sem prótese alguma. É legal ver como eles usam isso para sua vantagem (ou desvantagem). 

Ah, e tem mortes. Muitas mortes. É de fazer inveja ao tio George Martin.

Além do protagonista, temos Lucy, que é o interesse amoroso dele. Ela é uma personagem muito interessante, cheia de sonhos reprimidos (um em especial vai te deixar deprimido). E eles formam um casal não-virjão: antes da metade eles já estão trepando. Você odeia estórias em que o casal não se pega ou guarda o beijo para o minuto final? Cyberpunk:Edgerunners é para você.

Outros personagens incluem Maine e Dorio, outro casal não-virjão, que são respectivamente, o comandante e a segundo-em-comando dos mercenários. Dorio não é tão bem explorada, mas Maine tem um passado que é refletido em flashbacks e passa a sofrer de cyberpsicose, fazendo o espectador sofrer junto com ele.

Temos também o casal de irmãos Rebecca e Pilar. Ambos são ciborgues quase 100% completos. Rebecca talvez seja a personagem mais divertida de todo o anime. Ela é uma Loli que gosta do protagonista e, por isso, trata ele mal (é assim que as lolis tratam as paixões delas porque elas não sabem o que falar, vide Uzaki-chan e Nagatoro). Ela não chega a ficar com o prota por uma questão de respeito à namorada dele, e também pelo fato de que o anime queria evitar as críticas, já que ela parece uma criança. A CD Project Red quis que o Studio Trigger mudasse o design de Rebecca, por acreditar que uma Loli não faria sentido em Night City.

A resposta do estúdio foi simplesmente: "A Loli fica."


Rebecca quando disseram que ela não poderia estar no anime.



Há cenas, principalmente no início do anime, em que o prota simplesmente anda pela cidade. São cenas que servem para mostrar Night City e incrementar o worldbuilding: vemos, por exemplo, o quão decadente é o bairro de David, em contraste com a academia que ele frequenta. 

Essas cenas me lembram a "Arte do Silêncio", ou "Ma", que é uma técnica que o cinema japonês usa muito, mas que é sempre atribuída a Hayao Miyazaki. São cenas contemplativas, em que você apenas relaxa. Ghost in The Shell (1995) tem uma das minhas cenas preferidas:






4 - O Punk e o Cyber; o Cyber e o Punk.

O termo Cyberpunk foi cunhado por Bruce Bethke, em seu conto "Cyberpunk!", de 1980. E ele queria justamente juntar a cultura punk com a tecnologia. O conto é realmente oitentista, parece um filme do John Hughes (Clube dos Cinco, Curtindo a vida adoidado). O personagem principal briga com o pai, hackeia a conta bancária dele e mata aula para ficar com os amigos em uma escola abandonada. Ah, e um dos amigos dele tem um moicano.

 Hoje em dia, conceitua-se cyberpunk como um gênero em que as pessoas convivem com tecnologia avançada, mas com baixa qualidade de vida ("high tech, low life"). Mas o termo vai além disso; isso é utilizar apenas o "cyber", limitando o "punk" aos cortes de cabelo. Punk é uma atitude. É uma postura de desafio às regras e ao establishment. É muito mais do que moicanos coloridos, ou seja, vai muito além da estética.

E Cyberpunk:Edgerunners captura isso muito bem. O pessoal do Studio Trigger lembrou os artistas ocidentais (inclusive este que vos fala) que o punk ainda vive. 


6 - A Opening: Franz Ferdinand e o Ffffffffogo

O tema de abertura é This Fffire, de Franz Ferdnand. Essa é a primeira vez que eu vejo uma música ocidental como opening de anime. Já vi músicas em inglês, geralmente de artistas japoneses mesmo, mas nunca vi eles pegarem uma música já feita. E a música realmente casa bem, basta olhar a letra: 

Agora tem um fogo dentro de mim
Um fogo que queima
Esse fogo está fora controle
Eu vou queimar essa cidade, queimar essa cidade 

O vídeo que acompanha a música também é muito bom. O protagonista toma um tiro na cabeça de um homem cujo corpo é feito de arranha-céus, em clara alusão às grandes corporações.




Conclusão

Esse anime é simplesmente uma obra-prima. Provavelmente o melhor do Studio Trigger, que já é conhecido por fazer animes fodas (exceto Darling in the Franxx, claro). A arte é foda, os personagens são fodas, não tem censura, não tem casal virjão... Olha, talvez esse seja o anime do ano (Chainsaw Man incluso!). E eu estou no aguardo de novas temporadas. 

10/10 com louvor, menção honrosa, estouro de champagne e placa no corredor.

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