Crônica 6: Nobel de Medicina

Após meus exames de sangue terem acusado o colesterol lá nas alturas, minha esposa me obrigou a ir ao médico. Fui a um tal de Doutor Oscar. Clínico Geral, porque não faço ideia do que eu tenho. Sistema Único de Saúde, porque não tenho um tostão furado.

Tomei um belo de um chá de cadeira. Fiquei esperando sentado por mais de quatro horas em um banco duro, numa sala sem ar-condicionado, com a televisão sintonizada em filmes velhos (e ruins) que ninguém aguenta mais, com intervalo comercial a cada meia-hora e uma dublagem horrível que mal dava para escutar, por causa do choro das crianças catarrentas. Quando finalmente fui chamado, me levantei com os joelhos tão doloridos que saí caminhando como se tivesse cagado nas calças. 

Quando vi a cara do Dr. Oscar, quase dei meia-volta. O médico era uma miniatura do Frankenstein (o monstro, não o Victor). Mas logo deixei esse pensamento de lado. O professor de educação física não precisa ser forte. O seu conhecimento é que importa. Mas, quando ele me viu, fez uma piadinha: 

— Isso é problema de junta. Tem que juntar e jogar fora!

 Ha, ha! O senhor é muito engraçado! eu pensei. Deveria desistir da medicina e entrar para o stand-up comedy!

Sentado de frente para o médico, gelei quando ele perguntou:

 — E então? O que você tem?

 Droga, eu não fazia ideia do que dizer! Era a primeira vez que tinha ido ao médico sem a minha mãe ou mulher! 

— É… — Cliquei a língua. — Minhas veias estão entupidas, aparentemente. Mas não sei o que isso significa. 

— Colesterol alto?

 — Isso. 

— Perfeito. 

Fiquei pensando se ele falou “perfeito” por que tinha acertado o diagnóstico ou se ele realmente achava perfeito o fato de eu estar com o colesterol alto. Essa última hipótese ganha bastante força quando penso que o médico não teria trabalho se eu estivesse saudável. 

— Sente-se na maca e vamos examinar você. Pode tirar a camisa. 

Tirei a minha camiseta suada e a coloquei em cima da cadeira. Antes de ir para a maca, vi o meu reflexo no espelho. Uma lástima. Pernas e braços finos e uma barrigona que caía sobre a cintura, mole como gelatina. 

Como pode tanta gordura ir para um só lugar? Os músculos são quase inexistentes; a bunda, só um traço. Então por quê? Por quê?! 

Sentei-me na maca e o Dr. Oscar pegou um instrumento que parecia um alicate. Quando apertou a minha pele com ele, minha barriga ficou vermelha, como se alguma coisa quisesse sair de dentro dela. 

— O que é isso?! — gritei apavorado. — Que coisa é essa? O Alien?! 

— Relaxe, é só celulite. 

Uau… Então é essa a tal celulite? Quer dizer então que não é só coisa de mulher, como a sociedade quer que achemos! O médico me examinou: olhou; cheirou; e até escutou a celulite com o estetoscópio. Cruzou os braços, levantou a sobrancelha e deu um longo suspiro. E então disse a maior e mais irrefutável verdade; o diagnóstico que só alguém com um brilhante e prestigiado diploma de Medicina de uma universidade de seis mil reais de mensalidade poderia proferir: 

— Você está com excesso de gordura abdominal. 

Eureca! Tragam o Nobel para esse homem! Também já podem começar a produzir seu filme biográfico que, por sua vez, ganhará o Oscar! A notoriedade do Nobel e do Oscar chamará a atenção dos países de primeiro mundo para o Brasil e nos tornaremos o centro do planeta! 

Já até sei onde os órgãos das principais organizações mundiais ficarão. 

A sede da ONU deixará de ser em Nova Iorque e passará a ser em Niterói (RJ). “É para apreciarmos o cheiro da Baía de Guanabara”, dirá o novo secretário-geral, que deverá ser natural de Não-me-toque (RS). O Conselho de Segurança será em Manaus (AM), para que os membros tenham fácil acesso à Venezuela e à Colômbia. A ONU Mulheres se reunirá três vezes por semana em um bar na Tijuca, no Rio, só para beber e bater papo mesmo (o que mais um ser humano faz na Tijuca?). O TIJ - Tribunal Internacional de Justiça deixará Haia, na Holanda, e virá para Brasília (DF) e não terá mais julgamentos; os juízes simplesmente passarão seus dias correndo alegres pela Praça dos Três Poderes, absorvendo todo aquele ar puro e úmido, sem corrupção. 

A NASA transferirá sua base para Cuiabá (MT), pois o terreno desse estado brasileiro é mais propício para os alienígenas deixarem seus sinais do que as plantações da Pensilvânia. Mel Gibson e Joaquin Phoenix comparecerão à inauguração. Também revelarão que a Área 51 era só uma fachada. A verdadeira Área 51, com diversos alienígenas sendo dissecados, é o pavilhão subterrâneo da UNICAMP (mas isso até o meu sobrinho de cinco anos sabe). E o E.T. de Varginha (MG) concorrerá a governador do estado (e ganhará). 

A OIT - Organização Mundial do Trabalho será em São Paulo (SP), e só empregará bolivianos, chineses e haitianos, que trabalharão meio-período. A OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o FMI - Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial irão todos para São Luís (MA), e seus respectivos orçamentos serão totalmente oriundos do erário desse estado. Aliás, os membros dessas organizações nem mais precisarão trabalhar; eles vão deixar tudo nas mãos do estado do Maranhão e irão morar permanentemente nos lençóis maranhenses, onde ficarão com a consciência tranquila pelo resto da vida. 

A Fiocruz virá para Florianópolis (SC), onde criará o maior polo de produção e pesquisa em vacinas que o mundo já viu; as seringas já estão prontas. A OMS - Organização Mundial da Saúde será em Barbacena (MG), por motivos óbvios, que nem vou falar aqui, para não insultar a inteligência do leitor. A cidade será declarada referência mundial em Psicologia e Psiquiatria, com os cidadãos mais sãos do mundo inteiro. O diretor-geral da OMS será, claro, Dr. Oscar, que também ganhará o Prêmio Nobel de Literatura, dessa vez por ter escrito sua autobiografia.

 E eu, claro, não receberei royalties. 

— É mesmo, doutor?

Isso foi tudo que eu consegui dizer.

*Essa crônica foi originalmente escrita para o concurso literário de Santa Maria - RS. Claro que perdeu, caso contrário eu não estaria postando essa merda aqui. Ria do meu fracasso.

Continue lendo. Continue escrevendo. 

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